Certa vez eu disse ao meu pai que Elis Regina não era cantora tão boa quanto Marisa Monte. Ele considerou aquela declaração um acinte. A bem da verdade, o que eu quis dizer, e na época não soube explicar com clareza, é que Elis não significa tanto para a minha geração quanto Marisa. Esta é a diva dos nossos tempos; aquela, a da geração dos meus pais. E isso sem entrar no mérito da capacidade vocal, dos métodos, ou da personalidade de cada uma das cantoras. Começo esse texto assim para deixar clara a minha escusa de fã: se escrevo esse texto agora, já dias depois de ter ido assistir ao show de Marisa no Teatro Guararapes, é para diminuir a influência que meu coração de admiradora tem na construção da minha crítica. Mas nós sabemos que essa é uma tarefa impossível.

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Verdade Uma Ilusão é a turnê iniciada em 2012 após o lançamento de O Que Você Quer Saber de Verdade, oitavo álbum de estúdio de Marisa Monte. Apesar das críticas negativas ao disco, o show é quase uma unanimidade (Armando Antenore, em reportagem da Bravo! de setembro passado, faz alusão a uma “uma parcela da crítica” para dizer que considera que a receita de Marisa desandou no disco mais recente, por flertar demais com o poularesco). A cantora investiu não só na estrutura sonora do show – além de uma pequena orquestra, as apresentações contam com os músicos Lúcio Maia, Pupillo e Alexandre Dengue, da Nação Zumbi – mas concebeu um espetáculo para os olhos do público. Obras criadas por 15 artistas brasileiros são projetadas em espelhos distribuídos pelo palco, nas laterais e acima da caixa de cena.

A surpresa provocada por cada conjunto de imagens, aliado às canções, embala o público, que vibra como se estivesse assistindo a um espetáculo de circo. As imagens urbanas de dia, em Gentileza, e à noite, em Tema de Amor, são a concretização elegante e elaborada da prática comum no youtube de fazer clipes adaptados para as canções. Mas os efeitos do vestido em Verdade, uma Ilusão e as holografias em Descalço no Parque são o ápice do casamento visual/sonoro proposto por Marisa Monte.

O show também é bastante competente no quesito abrangência. O set list vai fundo no repertório da cantora e resgata sucessos do início da carreira, como Eu Sei e Beija Eu. De quebra, ela conta histórias como a do princípio da parceria com Arnaldo Antunes, que vingou com o samba De Mais Ninguém, e de como ECT foi parar nas mãos de Cássia Eller (e do porquê de a própria Marisa nunca ter gravado a canção; a versão dela para o sucesso de Cássia, no entanto, ficou surpreendente). Há ainda a homenagem a Mina Mazzini e desastrada tentativa de fazer uma música com a cantora italiana, que terminou por “roubar” a melodia proposta por Marisa. A mágoa dela parece que ainda não passou, apesar de a melodia ter resultado em uma das mais belas canções de O Que Você Quer Saber de Verdade: Ainda Bem.

De tudo isso – e só para salvar a crítica de ser chapa branca – restou-me a sensação de que o espetáculo poderia ser um pouco menos correto. A diva carioca parece se esforçar para demonstrar curtir a apresentação. Em alguns instantes, no entanto, ela se descontrai, no gestual e na dança, e vibra com as mensagens otimistas que os críticos tanto execraram: “Solte os seus cabelos ao vento/ Não olhe pra trás/ Ouça o barulhinho que o tempo/ No seu peito faz/ Faça sua dor dançar”.

Duas coisas, no entanto, causaram-me as impressões mais duradouras dessa experiência. A primeira, a circunstância de que Verdade Uma Ilusão é uma turnê “auto-sustentável”, ou seja, não conta com patrocínios, e muito menos com lei de incentivo. Produzir um espetáculo dessa magnitude não é coisa fácil e é tarefa corajosa gerar lucro com cultura sem apoios oficiais no Brasil contemporâneo. A segunda coisa foi perceber o retorno do investimento nos rostos satisfeitos e inebriados dos meus colegas de plateia. Não é pouco emplacar um álbum no primeiro lugar do ranking de vendas em tempos de pirataria, e coisa ainda mais considerável é conseguir fazer cerca de mil pessoas pagarem quase metade de um salário mínimo para presenciar um espetáculo de 2 horas. Pessoas que vibram, cantam as canções e que provavelmente saem achando que foi o show mais bem pago de suas vidas.

 

* O Leonardo Ramires fez uma edição muito legal do show em Curitiba e postou no youtube. Vejam aí (e obrigada, Leonardo!!):
https://www.youtube.com/watch?v=uyZfYS3DNTA