A conexão veio por acaso. A profusão de arranha-céus de Manhattan estava em três, dos últimos filmes que vi recentemente. Em preto-e-branco, para Billy Wilder e Woody Allen. E num azul soturno para Steve McQueen. Porque a cidade que está perto de abrigar 10 milhões de habitantes nunca esteve tão só. Com um intervalo de 20 anos entre o primeiro e o segundo filme –  Se Meu Apartamento Falasse, de 1959 e Manhattan, de 79 – e de pouco mais de 30 deste para o terceiro – Shame, de 2011, a evolução que se observa poderia caber em quaisquer outras metrópoles. Mas é na cidade que nunca dorme, parafraseando Sinatra, que a maior indústria cinematográfica do mundo se inspira, e é por meio dela que se expressa.

The Apartment (1960)

Se Meu Apartamento Falasse é uma comédia, daquelas aparentemente sem pretensão de Billy Wilder. Só aparentemente. O que se vê ali é uma caracterização bem humorada da tentativa de se encaixar em novos modos de vida no pós-guerra, com escritórios assépticos, competição no mercado de trabalho e uma crescente liberdade sexual feminina. O individualismo extremo, no entanto, é caricaturado de forma inteligente. O personagem de Jack Lemmon é proibido de voltar cedo para casa porque empresta com frequência o apartamento para encontros fortuitos de seus superiores na empresa. Apesar do humor – ou, na verdade, facilitando a compreensão pelo risível – Wilder mostrou que nem só de lucros vive a pós-modernidade. Numa época de consumo hiper estimulado, mulheres são consumidas com desprendimento em um apartamento em Manhattan.

Woody Allen, como é de costume, é mais explícito. Seu alterego em Manhattan, Issac, luta para que a ex-mulher não publique um livro contando detalhes da separação e se alterna entre o desejo e a auto-repressão em um relacionamento com uma atriz de 17 anos. Isaac tem colhão para se livrar da produção de um programa de TV que apela para o ridículo, mas aManhattan grande questão de sua vida é o amor. Ou a dificuldade de vivê-lo. Entre as idas e vindas do relacionamento entre o melhor amigo e a amante, no qual ele acaba se inserindo, Isaac quebra a cara. E Allen termina por nos fazer observar que a ingenuidade dos primeiros anos de vida amorosa é o único remédio para o cinismo da decepção com os relacionamentos.

Para Brandon, o protagonista de Shame, essa faísca de conexão não existe mais. Apesar de focado não só em dificuldades nas relações, mas em uma doença (o vício em sexo), o roteiro do filme é sintomático da fragilidade de laços da nossa vida contemporânea. A primeira, e mais brutalmente retratada, concerne à impossibilidade do personagem de Michael Fassbender de obter prazer em uma relação prosaiShameca. A segunda, introduzida com a entrada de sua irmã (Carey Mulligan, em brilhante papel), é sugerida pela personalidade dependente de Sissy, pela relação travada que tem com o irmão e pela insinuação de que as ligações familiares resultaram em seus fracassos.

Famílias disfuncionais e casamentos errados não eram uma novidade nos tempos das comédias de Billy Wilder. O que se observa – não com insatisfação – é que o tormento com a solidão e a incomunicabilidade pós-modernas estão de novo na pauta do cinema. Precisamos Falar sobre Kevin, Aqui é o Meu Lugar, A Separação, Shame. Dá para se ter uma noção disso revisistando uma pequena lista de filmes lançados por aqui no ano passado. E não é necessário, como eu disse no início do texto, estar em Nova York para sentir ou falar disso. Mas a simbologia de uma cidade que nunca dorme e na qual as pessoas pouco se conectam entre si, esboçada em Shame, é extremamente adequada.