Mancora325Retomar temáticas já batidas, imprimindo um olhar novo sobre elas, talvez seja o caminho mais trilhado pelo cinema do século XXI. O clichê do playboy que não dá a mínima pra nada até que algo marcante aconteça em sua vida e o faça repensar toda ela é mais do que banal, mas em Máncora (2008), o cineasta peruano Ricardo de Montreuil o recontou de forma peculiar, mostrando as insatisfações de três jovens completamente perdidos que viajam para um lugar querido da sua infância, esperando encontrar um porto seguro. Mal sabem eles que para ter um chão firme pra pisar, o mundo de cada um precisa desabar.

Santiago Pautrat (Jason Day) é filho de um antigo famoso cantor de baladas populares, que não suportando o fracasso profissional e pessoal, suicida-se. A partir daí, Santiago, um jovem irresponsável, egoísta e de pavio curto, terá que lidar com sua condição de órfão, buscando uma forma de se reencontrar consigo mesmo e saber o que irá fazer daquele momento em diante. Quando está totalmente perdido, Santigo recebe um telefonema de sua meia-irmã, Ximena (Elsa Pataky), dizendo que está chegando a Lima, acompanhada de seu marido, Iñigo (Enrique Muciano).

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Ao cruzarem os olhares no aeroporto, Santigo e Ximena já demonstram que há um sentimento muito forte que os une. Durante o jantar, todo o gestual de Ximena indica que ela quer algo mais do que reencontrar o meio-irmão, e Iñigo percebe isso.

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Em meio às lembranças de suas férias de infância e adolescência, passadas na praia de Máncora, Santigo anuncia que já tinha feito planos de ir pra lá e que Ximena e Iñigo podem ficar em sua casa, o que Ximena de pronto rejeita. Então, os três partem de carro até Máncora. Numa das paradas no caminho, encontram um surfista brasileiro, Batú (Phellipe Haagensen), e lhe dão carona. Batú lhes oferece maconha e fala sobre o Ayahuasca e de como esse chá evoca os demônios de cada um, purificando quem o bebe. Iñigo, que é um jovem muito rico, cujo interesse maior é curtir a vida adoidado, fica animado em experimentar o Ayahuasca, tendo como meta encontrar o xamã que Batú mencionou.

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Chegando a Máncora, os jovens vão se envolver em situações que lhes porão à prova a forma como tem vivido até então. As incertezas, inseguranças e tabus vão sendo superados. O desejo latente e impulsivo predomina. E as conseqüências do agir sem pensar são amargas. Iñigo percebe que o dinheiro não pode comprar o amor e a paz de espírito, Ximena descobre que fugiu tanto da vida, escondendo-se atrás da plasticidade das fotos que tirava, que precisa estar com alguém que compartilhe suas angústias interiores e viva com ela uma vida real, sem máscaras e subterfúgios escapistas. E Santiago precisa apanhar fisicamente para gritar a dor que lhe corroia a alma e assim poder finalmente crescer:

Há golpes na vida tão fortes…
Eu não sei!”

“São poucos, mas existem.
Abrem valas escuras
no rosto mais feroz
e no dorso mais forte.

Talvez sejam os cavalos
de Átila, o bárbaro…
ou os arautos negros
que nos enviam à morte.

Há golpes na vida tão fortes…
que eu não sei!”
(…)
“Se antes de cada ação
pudéssemos prever
todas as suas consequências,
tenho certeza que
pensaríamos melhor.

Talvez os outros não tenham,
necessariamente, sido o problema.

Pelo contrário, talvez o problema
sempre tenha sido eu.

Quais tem sido meus sonhos?

Tive que chegar ao fundo do poço
para entender que quem estava em dívida era eu.”

Em seu segundo média-metragem, que concorreu ao Prêmio do Grande Júri do Festival de Sundance, Ricardo de Montreuil faz um road movie intimista, mas ao mesmo tempo festivo e esperançoso. A antítese se estende ao longo do filme, trazendo belos cenários, com o mar ao fundo, que contrastam com as almas obscuras dos três personagens, por isso a opção por um grande número de planos e espaços fechados (boite, apartamento, carro, casa de praia), intercalando a luminosidade das cenas, que ora são bem escuras, ora em meia-luz e ora bastante claras.

Mergulhar nas águas celestes de Máncora é altamente recomendado.

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Título original: Máncora

Diretor: Ricardo de Montreuil

Duração: 100 minutos

Gênero: Drama

Ano de Lançamento: 2008

País de Origem: Peru