Começo de ano é tempo de planos novinhos em folha, esperança, otimismo. Numa aparente contradição, começo 2013 – e a retomada deste espaço – com a sugestão de um filme a princípio duro e desesperançoso, mas com o tom crítico na medida do que eu gosto: A Grande Virada, com o astro Ben Affleck, que vem colecionando prêmios e críticas positivas com Argo, dirigido e protagonizado por ele. Mas a contradição é apenas aparente. No fundo, espero que para mim 2013 seja como o título do filme: o ano da grande virada.

Numa breve digressão, preciso trazer Mario Sergio Conti, que disse em reportagem recente da  piauí que na literatura brasileira contemporânea de maior alcance não há espaço para as classes dominantes. Citou Cidade de Deus, de Paulo Lins, e Pornopopéia, de Reinaldo Morais. Tirando as camadas superficiais agradáveis e românticas de A Grande Virada, primeiro longa de John Wells, essa conclusão talvez se adeque, guardadas as devidas proporções, ao cinema norte-americano contemporâneo. O bom cinema, aquele que se apega a algo mais que 120 minutos de pancadaria ou perseguição, não pode mais contar com as classes dominantes.
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Assim como Jason Reitman fez um ano antes com Amor sem Escalas, o tema de A Grande Virada é o desemprego como consequência da aterradora crise financeira de 2008. A despeito do impressionante desempenho como gerente de vendas, o personagem de Ben Affleck é demitido. Enfrenta a rotina de palestras motivacionais e distribuição de currículos com uma angústia e uma soberba de causar ao mesmo tempo pena e repulsa. A angústia cresce na mesma medida com que vão sendo demitidos os colegas de Affleck. E a repulsa, quando se para para refletir, tempos depois de terminada a exibição, que o tipo de trabalho a que essa gente se dedica não poderia gerar outra coisa senão a própria inutilidade de seus trabalhos.

Em um dos diálogos mais curiosos do filme, a personagem de Tommy Lee Jones explica como eram construídas as embarcações que levavam os primeiros carregamentos quando a empresa que demitiu Affleck começou. Apesar do que pode parecer, a explicação não é pontuada pela exaltação de heróis e trabalhadores que construíram o sonho americano. Ela é impregnada pela nostalgia pela época em que se tinha trabalho e ele era duro.Ben Affleck

Essa nostalgia está presente em reportagens, entrevistas com gente comum e talk shows americanos a que somos bombardeados todos os dias na TV brasileira. E é a fala de pessoas como nós, aquelas que se levantam, trabalham até 60 horas por semana e pagam financiamento da casa, que importa para o bom cinema americano contemporâneo.

Em A Grande Virada, essa gente aparece com um rostos bonitos e um estilo de vida repleto dos itens de consumo que os fizeram reféns dos altos salários que ganham. Não pagar o Porsche é pior que não pagar o financiamento da casa. Como eu já disse, essa história não é nova. Mas as atuações de Lee Jones e Chris Cooper, a crueza do retrato de um sonho americano que está ruindo, e a constatação de que a coisa só tende a ficar pior, tornam o filme necessário e envolvente. Não recomendável apenas caso você tenha gostado de Delírios de Consumo de Becky Bloom.